sábado, 3 de dezembro de 2011

Teus ombros suportam o mundo




"Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teu ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança".

(Drummond)

domingo, 20 de novembro de 2011

Poema para ele



"Acabaram-se os tempos.
Morreram as árvores e os homens,
Destruíram-se as casas,
Submergiram-se as montanhas.
Depois o mar desapareceu.
O mundo transformou-se numa enorme planície
Onde só existe areia e uma tristeza infinita.
Um anjo sobrevoa os destroços da terra,
Olhando a cólera de um Deus ofendido.
E encontrou nossos dois corpos fortemente enlaçados
Que a raiva do Senhor não quis destruir
Para a eterna lembrança do maior amor."

(Ismael Nery)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Verdad....


No te lo debía decir

pero esa luna

pero ese coñac

lo dejan a uno conmovido como el diablo.


(Drummond)

Alma mía



"Alma mía, sola, siempre sola
Sin que nadie comprenda,
tu sufrimiento, tu horrible padecer

Fingiendo una existencia
... Siempre llena de dicha y de placer
De dicha y de placer

Si yo encontrara un alma
Como la mía
Cuantas cosas secretas
Le contaría

Un alma que al mirarme
sin decir nada
Me lo dijese todo,
todo con su mirada

Un alma que al besarme
Con suave aliento
Que al besarme sintiera
lo que yo siento

Y a veces me pregunto que
Que pasaría
Si yo encontrara un alma
Como la mía"

domingo, 6 de novembro de 2011

Coração de Ferro


"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia"

(José Saramago)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Beija eu









Seja eu,
Seja eu,
Deixa que eu seja eu.
E aceita
o que seja seu.
Então deira e aceita eu.

Molha eu,
Seca eu,
Deixa que eu seja o céu.
E receba
o que seja seu.
Anoiteça e amanheça eu.

Beija eu,
Beija eu,
Beija eu, me beija.
Deixa
o que seja ser.
Então beba e receba
Meu corpo no seu corpo,
Eu no meu corpo.
Deixa,
Eu me deixo.
Anoiteça e amanheça



(Marisa Monte)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Em busca da mulher amada




A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio
É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite
E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada
É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos
astros.

Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada
Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula
E o elemento verde antagônico. A mulher amada
É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro
No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso
É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.
É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada
E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite
Outra coisa não é senão o seio da mulher amada
Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranqüila e trágica
É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada.
Nascitura. Nascitura da mulher amada
É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher
amada
É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? – a mulher amada!
Quem colhe a tempestade? – a mulher amada!
Quem determina os meridianos? – a mulher amada!
Quem a misteriosa portadora de si mesma? A mulher amada.

Talvegue, estrela, petardo
Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada
Quando! E de outro não seja, pois é ela
A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita
Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda
O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta
Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades.


Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.
Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!

(Vinicius de Moraes)

Dorme




Dorme.
Dorme o tempo em que não podias dormir.
Dorme não só tu,
Prepara-te para dormir teu corpo e teu amor contigo.
Dorme o que não foste, o que nunca serás.
Dorme o incêndio dos atos esquecidos,
A qualidade a distância o rumo do pensamento.

O pássaro magnético volta-se,
As árvores trocam os braços,
O castelo parou de andar.

Dorme.
Que pena não poder me ver - puro - dormindo.

(Murilo Mendes)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Para ti



"Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida"

(Mia Couto)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011




"Eu, que não digo; Mas ardo de desejo; Te olho; Te guardo; Te sigo; Te vejo dormir"



(Chico Buarque)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Sujeito Indireto



"Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feita a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito.
Quem dera eu visse o outro lado,
o lado de lá, lado meio,
onde o triângulo é quadrado
e o torto parece direito.
Quem dera um ângulo reto.
Já começo a ficar cheio
de não saber quando eu falto,
de ser, mim, sujeito indireto"

(Paulo Leminski)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Quando?



"Quando alguém parte, tem de deixar
ao mar o chapéu com as conchas
apanhadas ao longo do verão,
e ir-se com o cabelo ao vento,
tem de lançar ao mar
a mesa que pôs para o seu amor,
tem de deitar ao mar
o resto de vinho que ficou no copo,
tem de dar o seu pão aos peixes
e misturar no mar uma gota de sangue,
tem de espetar bem a faca nas ondas
e afundar o sapato,
coração, âncora e cruz,
e ir-se com o cabelo ao vento!
Depois, regressará,
Quando?
Não perguntes. "

(Ingeborg Bachmann)



"Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito ...
A arte de amar e a arte de ouvir estão intimamente ligadas.
Não é possível amar uma pessoa que não sabe ouvir."

(Rubem Alves)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Palavras



" Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave? "

(Drummond)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Compromisso

Comprarei
O pincel
Do Douanier
Pra te pintar
Levo
Pro nosso lar
O piano periquito
E o Reader's Digest
Para não tremer
Quando morrer
E te deixar
Eu quero nunca te deixar
Quero ficar
Preso ao teu amanhecer

(Oswald de Andrade)

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Atraso pontual



"Ontens e hojes, amores e ódio,
adianta consultar o relogio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser o tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vêm sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre tempo e espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que faço?"

(Paulo Leminski)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Nascer de novo



Nascer: fincou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?

Eis que um segundo nascimento,
não advinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.

A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Olhar








"Eu queria tão somente teus olhos em mim"






(Livia Garcia-Rosa)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Desejo



"Quando estás por perto, desperto, sensível a cada gesto."

A Linguagem de Deus



Estar com o poema, em sintonia,
Que existe palpitando sob tudo,
Que tudo é matéria de Poesia,
Que nada é opaco, inerte ou mudo...

Aos olhos do Poeta sob o céu
As coisas falam ainda, e o coração,
A linguagem primeva de Babel,
Aquela mesma anterior à confusão.

Eis a nossa sedução de filhos pródigos
Que buscam o pai malgrado os danos
Causados às terras e aos códigos!..

Nos recompomos na língua verdadeira,
(que Deus deixou um rabo da primeira)
Pr’ Ele mesmo entender o que falamos.
(Alma Welt)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ilhabela, ilha bela







Além da Terra, além do Céu


Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.

Além , muito além do sistema solar,
além de onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Haver



"...Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens."



(Vinícius de Moraes)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Nascer de novo



Nascer: fincou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?

Eis que um segundo nascimento,
não advinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.

A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.

(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 11 de setembro de 2011

Lá longe...



"Lá longe
Onde a polícia lavra os campos
Lá longe
Onde ninguém cresce nem diminui,
Lá longe
Onde navios de guerra dormem dentro de garrafas.
Lá longe
Onde Oriente e Ocidente
Debruçados à janela dialogam.
Lá longe
Onde cada um
Tem seu pão, sua dama e sua paz,
Lá longe
Onde os descantos antigos movem o rio,
Lá longe
Onde forma, palavra e energia se unem,
Lá longe
Onde Deus caminha com pés de alfombra,
Lá longe
Onde "Quero nascer" a morte diz"

(Murilo Mendes)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Sem corpo nenhum


Sem corpo nenhum,
como te hei de amar?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma escolheste
esse doce mal!

Sem palavra alguma,
como o hei de saber?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma desejas
o que não se vê!

Nenhuma esperança
me dás, nem te dou:
— Minha alma, minha alma,
eis toda a conquista
do mais longo amor!

(Cecília Meireles)

O impossível carinho


Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

(Manuel Bandeira)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Amizades












A Paz




"Ter em minhas mãos
Uns jasmins com sol,
Com o primeiro sol;
Saber que amanhece
Em meu coração;
Ouvir de manhã
Uma única voz...

É tudo o que quero.

Regressar sem ódios,
Calmo adormecer,
Sonhar ter nas mãos
Silindras com sol,
Com o último sol;
Dormir escutando
Uma única voz...

É tudo o que quero"

(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O amor dos homens


Na árvore em frente
Eu terei mandado instalar um alto-falante com que os passarinhos
Amplifiquem seus alegres cantos para o teu lânguido despertar.
Acordarás feliz sob o lençol de linho antigo
Com um raio de sol a brincar no talvegue de teus seios
E me darás a boca em flor; minhas mãos amantes
Te buscarão longamente e tu virás de longe, amiga
Do fundo do teu ser de sono e plumas
Para me receber; nossa fruição
Será serena e tarda, repousarei em ti
Como o homem sobre o seu túmulo, pois nada
Haverá fora de nós. Nosso amor será simples e sem tempo.
Depois saudaremos a claridade. Tu dirás
Bom dia ao teto que nos abriga
E ao espelho que recolhe a tua rápida nudez.
Em seguida teremos fome: haverá chá-da-índia
Para matar a nossa sede e mel
Para adoçar o nosso pão. Satisfeitos, ficaremos
Como dois irmãos que se amam além do sangue
E fumaremos juntos o nosso primeiro cigarro matutino.
Só então nos separaremos. Tu me perguntarás
E eu te responderei, a olhar com ternura as minhas pernas
Que o amor pacificou, lembrando-me que elas andaram muitas léguas de mulher
Até te descobrir. Pensarei que tu és a flor extrema
Dessa desesperada minha busca; que em ti
Fez-se a unidade. De repente, ficarei triste
E solitário como um homem, vagamente atento
Aos ruídos longínquos da cidade, enquanto te atarefas absurda
No teu cotidiano, perdida, ah tão perdida
De mim. Sentirei alguma coisa que se fecha no meu peito
Como pesada porta. Terei ciúme
Da luz que te configura e de ti mesma
Que te deixas viver, quando deveras
Seguir comigo como a jovem árvore na corrente de um rio
Em demanda do abismo. Vem-me a angústia
Do limite que nos antagoniza. Vejo a redoma de ar
Que te circunda - o espaço
Que separa os nossos tempos. Tua forma
É outra: bela demais, talvez, para poder
Ser totalmente minha. Tua respiração
Obedece a um ritmo diverso. Tu és mulher.
Tu tens seios, lágrimas e pétalas. À tua volta
O ar se faz aroma. Fora de mim
És pura imagem; em mim
És como um pássaro que eu subjugo, como um pão
Que eu mastigo, como uma secreta fonte entreaberta
Em que bebo, como um resto de nuvem
Sobre que me repouso. Mas nada
Consegue arrancar-te à tua obstinação
Em ser, fora de mim - e eu sofro, amada
De não me seres mais. Mas tudo é nada.
Olho de súbito tua face, onde há gravada
Toda a história da vida, teu corpo
Rompendo em flores, teu ventre
Fértil. Move-te
Uma infinita paciência. Na concha do teu sexo
Estou eu, meus poemas, minhas dores
Minhas ressurreições. Teus seios
São cântaros de leite com que matas
A fome universal. És mulher
Como folha, como flor e como fruto
E eu sou apenas só. Escravizado em ti
Despeço-me de mim, sigo caminhando à tua grande
Pequenina sombra. Vou ver-te tomar banho
Lavar de ti o que restou do nosso amor
Enquanto busco em minha mente algo que te dizer
De estupefaciente. Mas tudo é nada.
São teus gestos que falam, a contração
Dos lábios de maneira a esticar melhor a pele
Para passar o creme, a boca
Levemente entreaberta com que mistificar melhor a eterna imagem
No eterno espelho. E então, desesperado
Parto de ti, sou caçador de tigres em Bengala
Alpinista no Tibet, monje em Cintra, espeleólogo
Na Patagônia. Passo três meses
Numa jangada em pleno oceano para
Provar a origem polinésica dos maias. Alimento-me
De plancto, converso com as gaivotas, deito ao mar poesia engarrafada, acabo
Naufragando nas costas de Antofagasta. Time, Life e Paris-Match
Dedicam-me enormes reportagens. Fazem-me
O "Homem do Ano" e candidato certo ao Prêmio Nobel.
Mas eis comes um pêssego. Teu lábio
Inferior dobra-se sob a polpa, o suco
Escorre pelo teu queixo, cai uma gota no teu seio
E tu te ris. Teu riso
Desagrega os átomos. O espelho pulveriza-se, funde-se o cano de descarga
Quantidades insuspeitadas de estrôncio-90
Acumulam-se nas camadas superiores do banheiro
Só os genes de meus tataranetos poderão dar prova cabal de tua imensa
Radioatividade. Tu te ris, amiga
E me beijas sabendo a pêssego. E eu te amo
De morrer. Interiormente
Procuro afastar meus receios: "Não, ela me ama..."
Digo-me, para me convencer, enquanto sinto
Teus seios despontarem em minhas mãos
E se crisparem tuas nádegas. Queres ficar grávida
Imediatamente. Há em ti um desejo súbito de alcachofras. Desejarias
Fazer o parto-sem-dor à luz da teoria dos reflexos condicionados
De Pavlov. Depois, sorrindo
Silencias. Odeio o teu silêncio
Que não me pertence, que não é
De ninguém: teu silêncio
Povoado de memórias. Esbofeteio-te
E vou correndo cortar o pulso com gilete-azul; meu sangue
Flui como um pedido de perdão. Abres tua caixa de costura
E coses com linha amarela o meu pulso abandonado, que é para
Combinar bem as cores; em seguida
Fazes-me sugar tua carótida, numa longa, lenta
Transfusão. Eu convalescente
Começas a sair: foste ao cabeleireiro. Perscruto em tua face. Sinto-me
Traído, delinqüescente, em ponto de lágrimas. Mas te aproximas
Só com o casaco do pijama e pousas
Minha mão na tua perna. E então eu canto:
Tu és a mulher amada: destrói-me! Tua beleza
Corrói minha carne como um ácido! Teu signo
É o da destruição! Nada resta
Depois de ti senão ruínas! Tu és o sentimento
De todo o meu inútil, a causa
De minha intolerável permanência! Tu és
Uma contrafação da aurora! Amor, amada
Abençoada sejas: tu e a tua
Impassibilidade. Abençoada sejas
Tu que crias a vertigem na calma, a calma
No seio da paixão. Bendita sejas
Tu que deixas o homem nu diante de si mesmo, que arrasas
Os alicerces do cotidiano. Mágica é tua face
Dentro da grande treva da existência. Sim, mágica
É a face da que não quer senão o abismo
Do ser amado. Exista ela para desmentir
A falsa mulher, a que se veste de inúteis panos
E inúteis danos. Possa ela, cada dia
Renovar o tempo, transformar
Uma hora num minuto. Seja ela
A que nega toda a vaidade, a que constrói
Todo o silêncio. Caminhe ela
Lado a lado do homem em sua antiga, solitária marcha
Para o desconhecido - esse eterno par
Com que começa e finda o mundo - ela que agora
Longe de mim, perto de mim, vivendo
Da constante presença da minha saudade
É mais do que nunca a minha amada: a minha amada e a minha amiga
A que me cobre de óleos santos e é portadora dos meus cantos
A minha amiga nunca superável
A minha inseparável inimiga.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Amor



"Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.

Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz! "

Rabindranath Tagore

in "O Coração da Primavera

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Tirinhas








Para costurar o amor






"Quando Miguel perguntava quem era a sua mãe ou onde morava o seu pai, o avô tossia para um lado, tossia para o outro, arranjava um resfriado, uma dor nas costas e só lhe respondia:

- Ô Miguel, a sua mãe já volta. Daqui a um pouco, ela volta.

Mas a mãe nunca voltava, nunca… Ele desmanchando as rabiolas. Ele olhando no portão. A cada laço que desfazia era uma esperança que se soltava. E ele já tinha reparado: quando as pipas voavam embora, elas voavam para nunca mais.

o avô dizendo:

- Ela já volta…

O relógio dizendo:

- Ela já volta…

… e outra volta e outra volta e foram anos se passando. O relógio faz volta, mas o tempo, não. A latinha velha dando voltas na linha. O avô enlaçando o menino nos braços, dizendo que o abraço era só um ponto que a vida dava para costurar o amor. "

(Rita Apoena)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O mundo é grande

"O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar."


(Drummond)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Saudades...



"Vou beijando a memória desses beijos"




(Drummond)


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Amor e medo



"Estou te amando e não percebo,
porque, certo, tenho medo.
Estou te amando, sim, concedo,
mas te amando tanto
que nem a mim mesmo
revelo este segredo"


(Affonso Romano de Sant'Anna)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Me gustas quando te callas

Me gustas quando te callas
Me gustas quando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, e my voz no te toca.
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Pablo Neruda

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O amor


"Estou a amar-te

como o frio corta os lábios.

A arrancar a raiz

ao mais diminuto dos rios.

A inundar-te de facas,

de saliva esperma lume.

Estou a rodear de agulhas

a boca mais vulnerável

A marcar sobre os teus flancos

o itinerário da espuma

Assim é o amor:

mortal e navegável"


(Eugênio de Andrade)

sábado, 23 de julho de 2011

Ausência



A mulher deitada, a mulher que se perdeu,
durante o sonho, e não sabe que o caminho
estava indicado nos seus olhos, procura o vazio
com a mão segura entre lençol e cobertor,
como se nesse intervalo houvesse ainda
uma saída para o desejo. No sono em que
a maré da noite se desfez num impulso
de névoa, os seus lábios murmuraram
o nome que não tem corpo; e em vão
esperaram o beijo que os iria selar,
os dedos que se afundariam no oceano
dos cabelos, a respiração que
lhe daria o ritmo da manhã. Por isso,
a mulher que acorda pede à noite que não
a deixe sozinha, como se o abraço antigo
se pudesse prolongar, ou o sol
não trouxesse o dia para junto dela.

Nuno Júdice

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Vontade


"Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio
e nesse silêncio profundo se esconde
minha intensa vontade de gritar"

(Clarice Lispector)

terça-feira, 12 de julho de 2011

A boca da noite



"O que não fiz ficou vivo
pelo avesso. O que não tive
pertence à dor do meu canto.
A estrela que mais amei
acende o meu desencanto.
Vinagre? Sombra de vinho?
De noite, a vida engoliu
(é doce a boca da noite)
as dores do meu caminho.
O meu voo se apazigua
quando a tormenta me abraça.
O que tenho se enriquece
de tudo que não retive.
Diamante? Flor de carvão"


(Thiago de Mello)