segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O tempo..


O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.


Carlos Drummond de Andrade

sábado, 27 de novembro de 2010

Estas verdades...


Estas verdades não são perfeitas porque são ditas.
E antes de ditas pensadas.
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias
Na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim.

Alberto Caeiro, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Simplemente amor


Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele falo palavras como lanças

Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele podem entalhar-me:
Sou de pedra sabão.

Alegre ou triste
Amor é a coisa que mais quero.

(Adélia Prado)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ausência

"Há sempre algo ausente que me incomoda"
(Camille Claudel)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Boda espiritual



Tu não estás comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
- Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.

O teu ombro no meu, ávido, se insinua.
Pende a tua cabeça. Eu amacio-a...afago-a
Ah, como a minha mão treme...Como ela é tua...

Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa.
O teu corpo crispado alucina. De escorço
O vejo estremecer como uma sombra nágua.

Gemes quase a chorar. Súplicas com esforço.
E para amortecer teu ardente desejo
Estendo longamente a mão pelo teu dorso...

Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

Manuel Bandeira

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Consolo na praia

Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.
A sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido,
mas virão outros

Tudo somado devia
precipitar-te de vez nas águas.
Esta nú na areia, no vento.
Dorme meu filho.


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Incoerências

"As verdades diferentes na aparência são como inúmeras folhas
que parecem diferentes e estão na mesma árvore."
(Gandhi)

A Mandinga do esquecimento


Junto à porta cochila o negro feiticeiro.

A pele molambenta o esqueleto disfarça.

Há uma faísca má nessa pupila garça,

quieta, dormente,

como as águas estagnadas.

Fuma: a fumaça o envolve em curvas baforadas.

Cuspinha; coça a perna onde a sarna esfarinha a pele;

pachorrento inda uma vez cuspinha.

Com o seu sinistro olhar o feiticeiro mede-o.

- Olha, Roque, você me vai dar um remédio.

Eu quero me curar do mal que me atormenta.

- Tenho ramos de arruda, urtigas, água benta,

uma infusão que cura a espinhela e a maleita,

figas para evitar tudo que é coisa feita...

Com uma agulha e um cabelo, enrolado a capricho,

à mulher sem amor faço criar rabicho.

Olho um rasto, depois de rezar um

bocado vou direitinho atrás do cavalo roubado.

Com umas ervas que sei, eu faço, de repente,

do caiçara mais mole, um caboclo valente!

Diz, Juca Mulato, o mal que te tortura.

- Roque, eu mesmo não sei de este mal tem cura...

- Sei rezas com que venço a qualquer mau olhado,

breves para deixar todo o corpo fechado.

Não há faca que o vare e nem ponta de espinho:

fica o corpo tal qual o corpo do Dioguinho...

Mas de onde vem o mal que tanto de abateu?
- Ele vem de um olhar que nunca será meu...

Como está para o sol a luz morta da estrela

a luz do próprio sol está para o olhar dela...
Parece o seu fulgor quando o fito direito,

uma faca que alguém enterra no meu peito,

veneno que se bebe em rútilos cristais e,

sabendo que mata, eu quero beber mais...

- Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.

Diz Juca Mulato, de quem é esse olhar?

- Da filha da patroa. - Juca Mulato!

Esquece o olhar inatingível!


Não há cura, ai de ti, para o amor impossível.

Arranco a lepra do corpo, estirpo da alma o tédio,

só para o mal de amor nunca encontrei remédio...

Como queres possuir o límpido olhar dela ?

Tu és qual um sapo a querer uma estrela...

A peçonha da cobra eu curo...

Quem souber cure o veneno que há no olhar de uma mulher!

Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.

Isso conseguirás só pelo esquecimento.


Esquecer um amor dói tanto que parece

que a gente vai matando um filho que estremece

ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:

"Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?"

E, quando se estrangula, aos seus gemidos loucos,

a gente quer que viva e vai matando aos poucos!

Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa

que o remédio é pior do que a própria doença,

pois, para se curar um amor tal qual esse...

- Que me resta fazer ?

- Juca Mulato: esquece!

Necessidades básicas do momento atual...




quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Timidez

De Amor

Chegaria tímido e olharia tua casa,
A tua casa iluminada.
Teria vindo por caminhos longos
Atravessando noites e mais noites.

Olharia de longe o teu jardim.
Um ar fresco de quietação e repouso
Acalmaria a minha febre
E amansaria o meu coração aflito.

Ninguém saberia do meu amor:
Seria manso como as lágrimas,
Como as lágrimas de despedida.

Meu amor seria leve como as sombras.

Tanto receio de te amar, tanto receio...
A sombra do meu amor
Poderia agitar teu sono, pertubar o teu sossego...

Eu nem quero te amar, porque te amo demais.

Augusto Frederico Schmidt

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Infãncia

Andando pela internet encontrei essas fotos
que traduzem os sonhos e as dificuldades
de ser criança..










Grávida


Eu tô grávida
Grávida de um beija-flor
Grávida de terra
De um liquidificador
E vou parir
Um terremoto, uma bomba, uma cor
Uma locomotiva a vapor
Um corredor

Eu tô grávida
Esperando um avião
Cada vez mais grávida
Estou grávida de chão
E vou parir
Sobre a cidade
Quando a noite contrair
E quando o sol dilatar
Dar à luz

Eu tô grávida
De uma nota musical
De um automóvel
De uma árvore de Natal
E vou parir
Uma montanha, um cordão umbilical, um anticoncepcional
Um cartão postal

Eu tô grávida
Esperando um furacão, um fio de cabelo, uma bolha de sabão
E vou parir
Sobre a cidade
Quando a noite contrair
E quando o sol dilatar
Vou dar a luz

(Arnaldo Antunes)

domingo, 7 de novembro de 2010

Coisas que eu não sei dizer

" Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz,
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer..."

sábado, 6 de novembro de 2010

Pus meu sonho no fundo do mar



Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

(Cecília Meireles)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Memória



Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)