domingo, 26 de dezembro de 2010

Brilho dos olhos

"Muere lentamente quien evita una pasión y su remolino de emociones, justamente éstas que regresan el brillo a los ojos y restauran los corazones."
(Pablo Neruda)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Poema de Natal


"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados,
Para chorar e fazer chorar,
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses,
Mãos para colher o que foi dado,
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida;
Uma tarde sempre a esquecer,
Uma estrela a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar,
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço,
Um verso, talvez, de amor,
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E que por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente"


Vinícius de Moraes

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sedução

Gorjeio é mais bonito do que canto porque nele se
inclui a sedução.
É quando a pássara está namorada que ela gorjeia.
Ela se enfeita e bota novos meneios na voz.
Seria como perfumar-se a moça para ver o namorado.


...É por isso que as árvores ficam loucas se estão gorjeadas.
É por isso que as árvores deliram.
Sob o efeito da sedução da pássara as árvores deliram.
E se orgulham de terem sido escolhidas para o concerto.
As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.

(Manoel de Barros)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Scrivimi




Scrivimi, quando il vento avrà spogliato gli alberi
Gli altri sono andati al cinema, ma tu vuoi restare sola
Poca voglia di parlare allora scrivimi


Servirà a sentirti meno fragile, quando nella gente troverai
Solamente indifferenza, tu non ti dimenticare mai di me


E se non avrai da dire niente di particolare
Non ti devi preoccupare, io saprò capire
A me basta di sapere che mi pensi anche un minuto
Perché io so accontentarmi anche di un semplice saluto
Ci vuole poco per sentirsi più vicini


Scrivimi, quando il cielo sembrerà più limpido
Le giornate ormai si allungano
Ma tu non aspettar la sera, se hai voglia di cantare
Scrivimi, anche quando penserai, che ti sei innamorata...


E se non avrai da dire niente di particolare
Non ti devi preoccupare, io saprò capire
A me basta di sapere che mi pensi anche un minuto
Perché io so accontentarmi anche di un semplice saluto
Ci vuole poco per sentirsi più vicini
Scrivimi, anche quando penserai, che ti sei innamorata...
Tu scrivimi.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Miragem

Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida
nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.
Busquei inutilmente acorrentar-me a um passado de dores
Inutilmente.
Vieste - tua sombra sem carne me acompanha
Como o tédio da última volúpia.
Vieste - contigo um vago desejo de uma volta inútil
E contigo uma vaga saudade...
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda a nudez
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado -
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.

Vinicius de Moraes

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Meu primeiro livro. Meus quinze anos


"Uma borboleta pousou no corrimão bem a meu alcance.
Prendi-a pelas asas mas tremeu tanto que soltei-a.
Saiu voando buleversada como se tivesse ficado sem anos presa.
Nos meus dedos, o pó prateado.
Tão breve tudo.
Prendi assim a alegria, ainda há pouco foi minha,
mas se debateu tanto que abri os dedos,
antes que se ferisse, não se pode forçar.
Um pouco mais que se aperte e não fica só o pó, mas a alma...”

(Lygia Fagundes Telles, in As meninas)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Tenho muito para aprender


“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”


Clarice Lispector

domingo, 12 de dezembro de 2010

When I'm Sixty-Four...



?

When I get older losing my hair,
Many years from now.
Will you still be sending me a Valentine.
Birthday greetings bottle of wine.
If I'd been out till quarter to three.
Would you lock the door.
Will you still need me, will you still feed me,
When i'm sixty-four.

You'll be older too,
And if you say the word,
I could stay with you.

I could be handy, mending a fuse
When your lights have gone.
You can knit a sweater by the fireside
Sunday morning go for a ride,
Doing the garden, digging the weeds,
Who could ask for more?
Will you still need me, will you still feed me
When I'm sixty-four.

Every summer we can rent a cottage,
In the Isle of Wight, if it's not too dear
We shall scrimp and save
Grandchildren on your knee
Vera, Chuck and Dave

Send me a postcard, drop me a line,
Stating point of view
Indicate precisely what you mean to say
Yours sincerely wasting away
Give me your answer, fill in a form
Mine for evermore
Will you still need me, will you still feed me
When I'm sixty-four?

(Beatles)

sábado, 11 de dezembro de 2010

Mordo

"seus lábios, seu corpo, seus cabelos, sua barba só pra saber que estás entre minhas possibilidades. E assim estando, certifique que meus olhos pairam sobre você. E continuam a deitar-se... "

Desdém

Andas dum lado pro outro
Pela rua passando;
Finges que não queres ver
Mas sempre me vais olhando.

É um olhar fugídio,
Olhar que dura um instante,
Mas deixa um rasto d'estrelas
O doce olhar saltitante...

É este rasto bendito
Que atraiçoa o teu olhar,
Pois é tão leve e fugaz
Que eu nem o sinto passar!

Quem tem uns olhos assim
E quer fingir o desdém,
Não pode nem um instante
Olhar os olhos d'alguém...

Por isso vai caminhando...
E se queres a muita gente
Demonstrar que me desprezas
Olha os meus olhos de frente!...

(Florbela Espanca)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Cantiga de quase roda



Na roda da vida
lá vai o menino
trazendo contente
um canto no peito
na fronte uma estrela.

Mal chega e descobre
que o mundo é feroz
e o tempo é de sombras.
Os homens caminham
calados, sozinhos,
com medo de amar.

De pena, o menino
começa a cantar.
(Cantigas afastam
as coisas escuras).

Portanto ele sabe
que os homens, embora
se façam de fortes,
se façam de grandes,
no fundo carecem
de aurora e de infância.

Na roda do mundo,
ao lado dos homens,
lá vai o menino
rodando e cantando
seu canto de amor.

Um canto que faça
o mundo mais manso,
cantigas que tornem
a vida mais limpa,
um canto que faça
os homens mais crianças.

O menino entrega ao mundo
o dom da sabedoria
que nasce do coração.
Porque é do amor e da infância
que o mundo tem precisão.

Thiago de Mello

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Por trás da vidraça

Cá entre nós: fui eu quem sonhou que você sonhou comigo?

Ou teria sido o contrário?

Sonhei que você sonhava comigo. Mais tarde, talvez eu até ficasse confuso, sem saber ao certo se fui eu mesmo quem sonhou que você sonhava comigo, ou ao contrário, foi quem sabe você quem sonhou que eu sonhava com você. Não sei o que seria mais provável. Você sabe, nessa história de sonhos — falo o óbvio —, nunca há muita lógica nem coerência. Além disso, ainda que um de nós dois ou os dois tivéssemos realmente sonhado que um sonhava com o outro, também é pouco provável que falássemos sobre isso. Ou não? Sei que o que sei é que, sem nenhuma dúvida:
Sonhei que você sonhava comigo. Certo? Não, talvez não esteja nada certo. Também não era isso o que eu queria ou planejava dizer. Pelo menos, não desse jeito embaçado como uma vidraça durante a chuva. Por favor, apanhe aquele pequeno pedaço de feltro que fica sempre ali, ao lado dos discos. Agora limpe devagar a vidraça — quero dizer, o texto. Vá passando esse pedaço de feltro sobre o vidro, até ficar mais claro o que há por trás. Lago, edifício, montanha, outdoor, qualquer coisa. Certamente molhada, porque só quando chove as vidraças embaçam. Será? Não tenho certeza, mas o que quero dizer, disso estou certo, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Agora penso que é também provável que — se realmente fui mesmo eu a sonhar que você sonhou comigo; e não o contrário — eu não estivesse sonhando. Nada de sono, cama, olhos fechados. É possível que eu estivesse de olhos abertos no meio da rua, não na cama; durante o dia, não à noite — quando aconteceu isso que chamo de sonho. Embora saiba que — se foi dessa forma assim, digamos, consciente — então não seria correto chamá-la de sonho, essa imagem que aconteceu —, mas de imaginação ou invento até mesmo delírio, quem sabe alucinação. Mas não, não é isso o que quero contar, O que quero contar, sei muito bem e sem nenhuma hesitação, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Parece simples, mas me deixa inquieto. Cá entre nós, é um tanto atrevido supor a mim mesmo capaz de atravessar — mentalmente, dormindo ou acordado — todo esse espaço que nos separa e, de alguma forma que não compreendo, penetrar nessa região onde acontecem os seus sonhos para criar alguma situação onde, no fundo da sua mente, eu passasse a ter alguma espécie de existência. Não, não me atrevo. Então fico ainda mais confuso, porque também não sei se tudo isso não teria sido nem sonho, nem imaginação ou delírio, mas outra viagem chamada desejo. Verdade eu queria muito. Estou piorando as coisas, preciso ser mais claro. Começando de novo, quem sabe, começando agora:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois que sonhei que você sonhava comigo, continuei sonhando que você acordava desse sonho de sonhar comigo — e era um sonho bonito, aquele —, está entendendo? Você acordava, eu não. Eu continuava sonhando, mas na continuação do meu sonho você tinha deixado de sonhar comigo. Você estava acordado, tentando adequar a imagem minha do sonho que você tinha acabado de sonhar à outra ou à soma de várias outras, que não sei se posso chamar de real, porque não foram sonhadas. Mas, se foi o contrário, então era eu, e não você, quem tentava essa adequação — nessa continuação de sonho em que ou eu ou você ou nós dois sonhamos um com o outro. Nos víamos? Quase consegui, agora. Preciso simplificar ainda mais, para começar de novo aqui:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois, fiquei aflito. E quase certo de que isso não tinha acontecido. O que aconteceu, sim, é que foi você quem sonhou que eu sonhava com você. Mas não posso garantir nada. Sei que estou parado aqui, agora, pensando todas essas coisas. Como se estivesse — eu, não você — acordando um pouco assustado do bonito que foi ter tido aquele sonho em que você sonhava comigo. Tão breve. Mas tudo é muito longo, eu sei. Estou ficando cansativo? Cansado, também. Está bem, eu paro. Apanhe outra vez aquele pedaço de feltro: desembace, desembaço. Choveu demais, esfriou. Mas deve haver algum jeito exato de contar essa história que começa e não sei se termina ou continua assim:

Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto.
(Caio Fernando Abreu)

Para a fadiga dos homens


"Em todos os perdidos portos do mundo, sob o crepúsculo
balançam barcos mansamente.
A brisa é uma carícia lenta
nos mastros e nas velas.
A voz da água é um segredo baixinho.
É preciso não acordar os homens.
É preciso que se encha o mundo de doçura infinita,
de infinito silêncio,
porque os homens estão fatigados, fatigados..."

(Tasso da Silveira)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Teu corpo de terra e água


Teu corpo de terra e água
Onde a quilha do meu barco
Onde a relha do arado
Abrem rotas e caminho.


Teu ventre de seivas brancas
Tuas rosas paralelas
Tuas colunas teu centro
Teu fogo de verde pinho
Tua boca verdadeira
Teu destino minha alma
Tua balança de prata


Teus olhos de mel e vinho
Bem que o mundo não seria
Se o nosso amor lhe faltasse
Mas as manhãs que não temos
São nossos lençóis de linho
(José Saramago)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O par que me parece


Pesa dentro de mim
o idioma que não fiz,
aquela língua sem fim
feita de ais e de aquis.
Era uma língua bonita,
música, mais que palavra,
alguma coisa de hitita,
praia do mar de Java.
Um idioma perfeito,
quase não tinha objeto.
Pronomes do caso reto,
nunca acabavam sujeitos.
Tudo era seu múltiplo,
verbo, triplo, prolixo.
Gritos eram os únicos.
O resto, ia pro lixo.
Dois leões em cada pardo,
dois saltos em cada pulo,
eu que só via a metade,
silêncio, está tudo duplo.

Paulo Leminski

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Depoimento


De seguro,
Posso apenas dizer
que havia um muro
E que foi contra ele
que arremeti
A vida inteira.
Não.
Nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo
de qualquer maneira.
A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia,
Apesar de saber
Que quanto mais lutava
mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.

Miguel Torga

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O tempo..


O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.


Carlos Drummond de Andrade

sábado, 27 de novembro de 2010

Estas verdades...


Estas verdades não são perfeitas porque são ditas.
E antes de ditas pensadas.
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias
Na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim.

Alberto Caeiro, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Simplemente amor


Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele falo palavras como lanças

Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele podem entalhar-me:
Sou de pedra sabão.

Alegre ou triste
Amor é a coisa que mais quero.

(Adélia Prado)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ausência

"Há sempre algo ausente que me incomoda"
(Camille Claudel)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Boda espiritual



Tu não estás comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
- Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.

O teu ombro no meu, ávido, se insinua.
Pende a tua cabeça. Eu amacio-a...afago-a
Ah, como a minha mão treme...Como ela é tua...

Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa.
O teu corpo crispado alucina. De escorço
O vejo estremecer como uma sombra nágua.

Gemes quase a chorar. Súplicas com esforço.
E para amortecer teu ardente desejo
Estendo longamente a mão pelo teu dorso...

Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

Manuel Bandeira

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Consolo na praia

Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.
A sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido,
mas virão outros

Tudo somado devia
precipitar-te de vez nas águas.
Esta nú na areia, no vento.
Dorme meu filho.


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Incoerências

"As verdades diferentes na aparência são como inúmeras folhas
que parecem diferentes e estão na mesma árvore."
(Gandhi)

A Mandinga do esquecimento


Junto à porta cochila o negro feiticeiro.

A pele molambenta o esqueleto disfarça.

Há uma faísca má nessa pupila garça,

quieta, dormente,

como as águas estagnadas.

Fuma: a fumaça o envolve em curvas baforadas.

Cuspinha; coça a perna onde a sarna esfarinha a pele;

pachorrento inda uma vez cuspinha.

Com o seu sinistro olhar o feiticeiro mede-o.

- Olha, Roque, você me vai dar um remédio.

Eu quero me curar do mal que me atormenta.

- Tenho ramos de arruda, urtigas, água benta,

uma infusão que cura a espinhela e a maleita,

figas para evitar tudo que é coisa feita...

Com uma agulha e um cabelo, enrolado a capricho,

à mulher sem amor faço criar rabicho.

Olho um rasto, depois de rezar um

bocado vou direitinho atrás do cavalo roubado.

Com umas ervas que sei, eu faço, de repente,

do caiçara mais mole, um caboclo valente!

Diz, Juca Mulato, o mal que te tortura.

- Roque, eu mesmo não sei de este mal tem cura...

- Sei rezas com que venço a qualquer mau olhado,

breves para deixar todo o corpo fechado.

Não há faca que o vare e nem ponta de espinho:

fica o corpo tal qual o corpo do Dioguinho...

Mas de onde vem o mal que tanto de abateu?
- Ele vem de um olhar que nunca será meu...

Como está para o sol a luz morta da estrela

a luz do próprio sol está para o olhar dela...
Parece o seu fulgor quando o fito direito,

uma faca que alguém enterra no meu peito,

veneno que se bebe em rútilos cristais e,

sabendo que mata, eu quero beber mais...

- Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.

Diz Juca Mulato, de quem é esse olhar?

- Da filha da patroa. - Juca Mulato!

Esquece o olhar inatingível!


Não há cura, ai de ti, para o amor impossível.

Arranco a lepra do corpo, estirpo da alma o tédio,

só para o mal de amor nunca encontrei remédio...

Como queres possuir o límpido olhar dela ?

Tu és qual um sapo a querer uma estrela...

A peçonha da cobra eu curo...

Quem souber cure o veneno que há no olhar de uma mulher!

Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.

Isso conseguirás só pelo esquecimento.


Esquecer um amor dói tanto que parece

que a gente vai matando um filho que estremece

ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:

"Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?"

E, quando se estrangula, aos seus gemidos loucos,

a gente quer que viva e vai matando aos poucos!

Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa

que o remédio é pior do que a própria doença,

pois, para se curar um amor tal qual esse...

- Que me resta fazer ?

- Juca Mulato: esquece!

Necessidades básicas do momento atual...




quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Timidez

De Amor

Chegaria tímido e olharia tua casa,
A tua casa iluminada.
Teria vindo por caminhos longos
Atravessando noites e mais noites.

Olharia de longe o teu jardim.
Um ar fresco de quietação e repouso
Acalmaria a minha febre
E amansaria o meu coração aflito.

Ninguém saberia do meu amor:
Seria manso como as lágrimas,
Como as lágrimas de despedida.

Meu amor seria leve como as sombras.

Tanto receio de te amar, tanto receio...
A sombra do meu amor
Poderia agitar teu sono, pertubar o teu sossego...

Eu nem quero te amar, porque te amo demais.

Augusto Frederico Schmidt

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Infãncia

Andando pela internet encontrei essas fotos
que traduzem os sonhos e as dificuldades
de ser criança..










Grávida


Eu tô grávida
Grávida de um beija-flor
Grávida de terra
De um liquidificador
E vou parir
Um terremoto, uma bomba, uma cor
Uma locomotiva a vapor
Um corredor

Eu tô grávida
Esperando um avião
Cada vez mais grávida
Estou grávida de chão
E vou parir
Sobre a cidade
Quando a noite contrair
E quando o sol dilatar
Dar à luz

Eu tô grávida
De uma nota musical
De um automóvel
De uma árvore de Natal
E vou parir
Uma montanha, um cordão umbilical, um anticoncepcional
Um cartão postal

Eu tô grávida
Esperando um furacão, um fio de cabelo, uma bolha de sabão
E vou parir
Sobre a cidade
Quando a noite contrair
E quando o sol dilatar
Vou dar a luz

(Arnaldo Antunes)

domingo, 7 de novembro de 2010

Coisas que eu não sei dizer

" Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz,
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer..."

sábado, 6 de novembro de 2010

Pus meu sonho no fundo do mar



Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

(Cecília Meireles)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Memória



Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 31 de outubro de 2010

Diálogos do Silêncio


Segredo I
O sopro
de um beija-flor
trouxe
até os meus ouvidos
um som mágico
de entardecer.
O sussurro
explodiu em gritos
perceptíveis
apenas
aos meus ouvidos.

Segredo II
O meu silêncio
dialogou com o teu.
Entre um suspiro
e outro
percebi que
[ainda]
te amo.


Shhhh!

[não conte a ninguém...]

Segredo III
O que pode a razão
com as exigências
do coração?
Nada...
enquanto aquela se cala,
o outro grita com paixão.



[No meio dessa
confusão

eu só sei
te amar...]

(Patrícia Lara)

sábado, 30 de outubro de 2010

Versos de amor verdadeiro

"Invocação à mulher única"

Tu, pássaro – mulher de leite!
Tu que carregas as lívidas glândulas
do amor acima do sexo infinito
Tu, que perpetuas o desespero humano
alma desolada da noite
sobre o frio das águas tu
Tédio escuro, mal da vida – fonte! jamais... jamais...
(que o poema receba as minhas lágrimas!...)
Dei-te um mistério: um ídolo, uma catedral,
uma prece são menos reais
que três partes sangrentas
do meu coração em martírio
E hoje meu corpo nu estilhaça os espelhos e
o mal está em mim e a minha carne é aguda
E eu trago crucificadas mil mulheres
cuja santidade dependeria apenas
de um gesto teu sobre o espaço em harmonia.
Pobre eu! sinto-me tão tu mesma,
meu belo cisne, minha bela, bela garça, fêmea
Feita de diamantes e cuja postura lembra
um templo adormecido numa velha madrugada de lua...
A minha ascendência de heróis: assassinos, ladrões,
estupradores, onanistas
negações do bem: o Antigo Testamento!
a minha descendência
De poetas: puros, selvagens, líricos,
inocentes: O Novo Testamento
afirmações do bem: dúvida
(Dúvida mais fácil que a fé,
mais transigente que a esperança,
mais oporturna que a caridade
Dúvida, madrasta do gênio)
tudo, tudo se esboroa ante a visão do teu ventre púbere,
alma do Pai, coração do Filho,
carne do Santo Espírito, amém!
Tu, criança! cujo olhar faz
crescer os brotos dos sulcos da terra
perpetuação do êxtase
Criatura, mais que nenhuma outra,
porque nasceste fecundada
pelos astros – mulher!
tu que deitas o teu sangue
Quando os lobos uivam e
as sereias desacordadas
se amontoam pelas praias – mulher!
Mulher que eu amo,
criança que amo,
ser ignorado, essência perdida num ar de inverno.
Não me deixes morrer!... eu, homem
fruto da terra – eu, homem – fruto da carne

Eu que carrego o peso da tara e me rejubilo,
eu que carrego os sinos do sêmen que se rejubilam à carne
Eu que sou um grito perdido
no primeiro vazio à procura de um Deus
que é o vazio ele mesmo!
Não me deixes partir...
as viagens remontam à vida!...
e por que eu partiria se és a vida,
se há em ti a viagem muito pura.
A viagem do amor que não volta,
a que me faz sonhar do mais fundo da minha poesia
Com uma grande extensão de corpo e alma
uma montanha imensa e desdobrada
por onde eu iria caminhando
Até o âmago e iria e beberia
da fonte mais doce e me enlanguesceria e
dormiria eternamente como uma múmia egípcia
No invólucro da Natureza que és tu mesma,
coberto da tua pele que é a minha própria – oh mulher, espécie adorável da poesia eterna!

(Vinicius de Moraes )

Boda espiritual


Tu não estás comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
- Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.

O teu ombro no meu, ávido, se insinua.
Pende a tua cabeça. Eu amacio-a...afago-a
Ah, como a minha mão treme...Como ela é tua...

Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa.
O teu corpo crispado alucina. De escorço
O vejo estremecer como uma sombra nágua.

Gemes quase a chorar. Súplicas com esforço.
E para amortecer teu ardente desejo
Estendo longamente a mão pelo teu dorso...

Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

(Manuel Bandeira)

De longe te hei de amar


De longe te hei de amar,
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo a constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

(Cecília Meireles)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"A mulher e a casa"

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa;
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

(João Cabral de Melo Neto)

For you...my gift. You got the sweetest eyes I've ever seen

"Your Song "

My gift is my song... and this one's for you
And you can tell everybody that this is your song
It maybe quite simple, but now that it's done
I hope you don't mind
That I put down in words...

How wonderful life is, now you're in the world

I sat on the roof and I kicked off the moss
Well some of these verses, well they've, they've got me quitecross
But the sun's been kind while
I wrote this song
It's for people like you that keep it turned on
So excuse me forgetting, but these things I do
You see I've forgotten if they're green or they're brown
Anyway, the thing is, what I really mean
You got the sweetest eyes I've ever seen

And you can tell everbody that this is your song
It may be quite simple but now that it's done
I hope you d'ont mind
that I put down the words...

How wonderful life is, now you're in the world



quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Complemento


"A uma mulher"


Não tendo podido te criar
Nem tendo sido criado por ti
Eu me vingo do destino enxertando-me no teu ser.
Jamais conseguirás te libertar de mim
Porque eu te sitiei com a chama do amor,
Porque rondei durante dias e noites o Coração de Deus
A fim de extrair dele o segredo da ternura.
Todos os que te olham pensam logo em mim,
Todos os que me olham pensam logo em ti.
Eu sou tua cicatriz que nunca se há de fechar.
Eu te perseguirei até depois da minha morte
E virei a ti no murmúrio dos ventos, no lamento das ondas,
Na angústia e na alegria dos poetas meus sucessores,
Nas almas grandes limitadas pelo físico.
Sentado nas nuvens eternas eu te esperarei
E me nutrirei através dos tempos da nostalgia de ti.


Murilo Mendes

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Adversidade

"Lua adversa"

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

(Cecília Meireles)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Não se pode adiar o viver



"Não se pode ser infeliz,
não se pode morrer em vida,
não se pode desistir de amar, de criar.

Não se pode: é pecado, é proibido.
Não é possível adiar a vida."

(Caio Fernando Abreu)

domingo, 24 de outubro de 2010

Até pensei

Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caia, toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade morava tão vizinha
Que, de tolo, até pensei que fosse minha
Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha
Eu andava pobre, tão pobre de carinho
Que, de tolo, até pensei que fosses minha
Toda a dor da vida me ensinou essa modinha
(Chico Buarque)

Fim de tarde em SP

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Impressionista


Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Adélia Prado

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Tudo que fala em mim de amor foi dito"


"Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.


Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.


Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano."

Vinicius de Moraes

domingo, 17 de outubro de 2010

Pirilampos



"...Ardendo de amor, as cigarras cantam;
mais belos porém são os pirilampos
cujo amor mudo lhes queima o corpo!"

(Fragamento de poema japonês)

Doce, verdadeiro e lindo!


Canção da estrela murmurante

Nós nos amaremos docemente,
Nesta luz, neste encanto, neste medo:
Nós nos amaremos livremente
No dia marcado pelos deuses.

Nós nos amaremos com verdade
Porque estas almas já se conheciam:
nós nos amaremos para sempre
Além da concreta realidade.

Nós nos amaremos lindamente,
nós nos amaremos como poucos.
no teu tempo.



Lya Luft

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

La canción desesperada


Emerge tu recuerdo de la noche en que estoy.
El río anuda al mar su lamento obstinado.
Abandonado como los muelles en el alba.
Es la hora de partir, oh abandonado !
Sobre mi corazón llueven frías corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cueva de náufragos !
En ti se acumularon las guerras y los vuelos.
De ti alzaron las alas los pájaros del canto.
Todo te lo tragaste, como la lejanía.
Como el mar, como el tiempo. Todo en ti fue naufragio !
Era la alegre hora del asalto y el beso.
La hora del estupor que ardía como un faro.
Ansiedad de piloto, furia de buzo ciego,
turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio !
En la infancia de niebla mi alma alada y herida.
Descubridor perdido, todo en ti fue naufragio !
Te ceñiste al dolor, te agarraste al deseo.
Te tumbó la tristeza, todo en ti fue naufragio !
Hice retroceder la muralla de sombra.
anduve más allá del deseo y del acto.
Oh carne, carne mía, mujer que amé y perdí,
a ti en esta hora húmeda, evoco y hago canto.
Como un vaso albergaste la infinita ternura,
y el infinito olvido te trizó como a un vaso.
Era la negra, negra soledad de las islas,
y allí, mujer de amor, me acogieron tus brazos.
Era la sed y el hambre, y tú fuiste la fruta.
Era el duelo y las ruinas, y tú fuiste el milagro.
Ah mujer, no sé cómo pudiste contenerme
en la tierra de tu alma, y en la cruz de tus brazos!
Mi deseo de ti fue el más terrible y corto,
el más revuelto y ebrio, el más tirante y ávido.
Cementerio de besos, aún hay fuego en tus tumbas,
aún los racimos arden picoteados de pájaros.
Oh la boca mordida, oh los besados miembros,
oh los hambrientos dientes, oh los cuerpos trenzados.
Oh la cópula loca de esperanza y esfuerzo
en que nos anudamos y nos desesperamos.
Y la ternura, leve como el agua y la harina.
Y la palabra apenas comenzada en los labios.
É se fue mi destino y en él viajó mi anhelo,
y en él cayó mi anhelo, todo en ti fue naufragio!
Oh sentina de escombros, en ti todo caía,
qué dolor no exprimiste, qué olas no te ahogaron.
De tumbo en tumbo aún llameaste y cantaste
de pie como un marino en la proa de un barco.
Aún floreciste en cantos, aún rompiste en corrientes.
Oh sentina de escombros, pozo abierto y amargo.
Pálido buzo ciego, desventurado hondero,
descubridor perdido, todo en ti fue naufragio!
Es la hora de partir, la dura y fría hora
que la noche sujeta a todo horario.
El cinturón ruidoso del mar ciñe la costa.
Surgen frías estrellas, emigran negros pájaros.
Abandonado como los muelles en el alba.
Sólo la sombra trémula se retuerce en mis manos.
Ah más allá de todo. Ah más allá de todo.
Es la hora de partir. Oh abandonado !


Pablo Neruda

domingo, 10 de outubro de 2010

Oceano


Assim
Que o dia amanheceu
Lá no mar alto da paixão,
Dava prá ver o tempo ruir
Cadê você?
Que solidão!
Esquecera de mim?

Enfim,
De tudo o que
Há na terra
Não há nada em lugar
Nenhum!
Que vá crescer
Sem você chegar
Longe de ti
Tudo parou
Ninguém sabe
O que eu sofri...

Amar é um deserto
E seus temores
Vida que vai na sela
Dessas dores
Não sabe voltar
Me dá teu calor...

Vem me fazer feliz
Porque eu te amo
Você deságua em mim
E eu oceano
E esqueço que amar
É quase uma dor...

Só sei viver
Se for por você!
(Djavan)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Basta pensar em sentir


Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.
Viver é não conseguir.

Fernando Pessoa

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

Mario Quintana