quinta-feira, 31 de março de 2011

Jura Secreta




Só uma coisa me entristece

O beijo de amor que não roubei

A jura secreta que não fiz

A briga de amor que não causei

Nada do que posso me alucina

Tanto quanto o que não fiz

Nada que eu quero me suprime

De que por não saber

'Inda não quis

Só uma palavra me devora

Aquela que meu coração não diz

Só o que me cega

O que me faz infeliz

É o brilho do olhar

Que não sofri


(Sueli Costa e Abel Silva)


quarta-feira, 30 de março de 2011

The Greatest



Once I wanted to be the greatest

No wind or waterfall could stall me

And then came the rush of the flood

Stars of night turned deep to dust


Melt me down

Into big black armor

Leave no trace of grace

Just in your honor

Lower me down

To culprit south

Make 'em wash a space in town

For the lead

And the dregs of my bed

I've been sleepin'

Lower me down

Pin me in

Secure the grounds

For the later parade


Once I wanted to be the greatest

Two fists of solid rock

With brains that could explain

Any feeling Lower me down

Pin me in

Secure the grounds

For the lead

And the dregs of my bed

I've been sleepin'

For the later parade


Once I wanted to be the greatest

No wind or waterfall could stall me

And then came the rush of the flood

Stars of night turned deep to dust


(Blueberry Nights)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Saudade

Saudade de Deus

Cresci menino com Deus.
Minha mãe acho que foi
quem Deus pôs dentro de mim.
Dentro de mim, mas não meu.
Não foi um amigo de infância.
Não me deixava à vontade
(nem nos banhos escondidos
na fundura do meu rio).
Não me deixava ser eu,
ser livre: sua presença
- uma lâmina suspensa
constante na minha vida -
me dava um grande temor.
Não me envergonho em dizer
que nunca lhe tive amor.

Por isso (suponho) foi
que um dia acordei sem Deus
(um dia quando os meus olhos
já conheciam o assombro).

Deus se perdeu. Não me achei
sozinho, me vi comigo.
(Talvez por isso eu carregue
esse ar de criança perdida.)

Contudo, dele restou
no chão triste da minha alma,
entre doce e dolorida,
mágoa que sabe a saudade.

(Thiago de Mello)

quarta-feira, 23 de março de 2011

Desencanto

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!

(Manuel Bandeira)

segunda-feira, 21 de março de 2011


Dias há,
em que o teu sorriso
é uma ilha perdida dentro de mim
e o teu nome,
o vento que muda as estrelas
para o dorso das andorinhas.

Dias há
em que procuro os teus olhos
e silenciosamente te digo "meu amor",
como se eles fossem peixes
e as palavras animais estranhos
capazes de turvar a paz
das grandes profundidades.

(Isabel Meyrelles)

sábado, 19 de março de 2011

O tempo

O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem
nós, para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como
um velho paralítico a tocar a campanhinha atroz.
Nós
é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de
rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho...Mas que raiva dá no Velho quando
encontra crianças a brincar de roda
e não há outro jeito senão desviar delas a sua
cadeira de rodas!
Porque elas, simplesmente, o ignoram...

(Mario Quintana)

quarta-feira, 16 de março de 2011

Vida

"A vida bate"

Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida -
a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.

(Ferreira Gullar)

domingo, 13 de março de 2011

Entre teus lábios



Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha

(Eugénio de Andrade)

quinta-feira, 10 de março de 2011

É cansaço...

"Não"

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, veja
Confesso: é cansaço.


Fernando Pessoa

quarta-feira, 9 de março de 2011

Tão doido

"Elegia"

Liberdade,
sem ti nada mais sei.

Compreendi o mundo
em ti, sutil
compêndio.

Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.

Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.

E sou tão doido
que o riso inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.

(Carlos Nejar)

Formas

"Faz uma chave"

Faz uma chave, mesmo pequena,
entra na casa.
Consente na doçura, tem dó
da matéria dos sonhos e das aves.

Invoca o fogo, a claridade, a música
dos flancos.
Não digas pedra, diz janela.
Não sejas como a sombra.

Diz homem, diz criança, diz estrela,
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.

Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, 1 de março de 2011

Iniciação

E nem mais existirá, a esperança do trágico...
E no vazio,
em vão apelareis para as grandes catástrofes,
para a vaidade do ranger dos dentes,
para o pavoroso das formas não de todo feitas,
sob o terrível das forças verticais...
Sumirão as espadas suspensas de fios.
sumirá a mão que escreve nas paredes
do festim velho,
e a Esfinge dormirá nas areias eternas...
Somente o segredo, acordado, no caminho claro,
na encruzilhada de todos os caminhos,
andando na tua frente, desvendado,
mais difícil de crer do que de decifrar...
Teu pensamento, tua fé e teu desejo,
criando, à tua escolha, o teu destino...
E se fores forte,
olha bem para cima,
para ver como é sorrindo
que morre o teu Pai...

(Guimarães Rosa)