domingo, 3 de abril de 2011

O que nós vemos das cousas


O que nós vemos das cousas são as cousas.

Porque veríamos nós uma cousa se houvesse outra?

Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos

Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,

Saber ver sem estar a pensar,

Saber ver quando se vê,

E nem pensar quando se vê

Nem ver quando se pensa.


Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),

Isso exige um estudo profundo,

Uma aprendizagem de desaprender

E uma sequestração na liberdade daquele convento

De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas

E as flores as penitentes convictas de um só dia,


Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas

Nem as flores senão flores,

Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.


(lberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa)

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