sexta-feira, 21 de maio de 2010

Loucuras



..."Mas o casamento é sagrado, vovó!"
Avó tremeu em seu coração de mulher nascida ainda no grande século galante.
"É o amor é sagrado" ela disse. "Escuta filhinha,esta velha que já viu três gerações e que conhece bem, mas muito bem, o assunto quando se trata de homens e mulheres. O casamento e o amor nada têm a ver juntos. Casa-se para formar uma família, e formam-se as famílias para constitutir a sociedade. A sociedade não pode passar sem o casamento. Se a sociedade é uma cadeia,cada família é um elo. Para soldar esses elos procuram-se sempre materiais parecidos. Quando se casa, é preciso juntar conveniências,combinar fortunas,unir as raças semelhantes, trabalhar pelo interesse comum que é a riqueza dos filhos. Não se casa mais do que uma vez, filhinha, porque o mundo assim exige, mas pode-se amar vinte vezes durante toda a vida, porque a natureza nos fez dessa maneira. O casamento é uma lei, veja bem, e o amor é um instinto que nos empurra ora à direita, ora à esquerda. Fizeram leis que combatem nossos instintos, era preciso; mas os instintos sempre são os mais fortes, e a gente não deveria resistir muito a eles, pois vêm de Deus, ao passo que as leis vêm apenas dos homens."

....

..." Pois eu lhe digo que o casamento é uma coisa necessária para que a sociedade exista, mas que ele não é da natureza de nossa raça, você me entende? Na vida há somente uma coisa boa, o amor.E como vocês compreendem mal o amor,como vocês estragam-no,fazem dele uma coisa solene como um sacramento ou algo que se compra,como um vestido."

A jovem, com lágrimas nos olhos, pedia aos céus uma grande paixão, uma única paixão eterna, conforme os sonhos dos poetas modernos, enquanto a avó, beijando-lhe a testa ainda impregnada daquela sedutora e sã razão com a qual os filósofos galantes polvilhavam o século XVIII, murmurava: "Cuidado, minha pobre filhinha; se você acredita em loucuras desse tipo,você vai ser bem infeliz."

(Conto "Outrora" de Guy Maupassant)

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