sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Amor: verso, reverso, converso

1. (Verso)

Com exceção de uma
Deus
tem posto mulheres maravilhosas no meu caminho.

Como não tê-las amado
a cada uma conforme a beleza que afloravam
e a carência que eu trazia?
Nas horas mais estranhas me surgiam
com pernas e bocas, unhas e espanto
e tomando-me pelo sexo crivavam-me de mitos
como se eu, fauno das praias e unicórnio das ruas,
pudesse dormir num colo virgem eternamente.

Delicadamente
e em desespero celebravam com meu sexo em suas bocas quentes,
a ceia inaugural de nosso sangue,
enquanto as línguas em pentecostes com os dentes
sugavam da glande das nuvens copioso mel.
Cercavam-me de mãos e seios, ancas e aflições
alisando-me a alma e o pêlo
enquanto na fúria da posse, possuído
eu as invadia por todas as entradas
num bloqueio de rosas e alaridos.

Salta a primavera à luz dos tatos
enquanto os corpos se desfazem respirando eternidade.

Com exceção de uma
Deus
tem posto mulheres maravilhosas no meu caminho.
Não fui pusilânime o bastante
para evitá-las, antes tomei-as de seus lares
por horas, meses e camas
colhendo sêmen e jorrando oásis
e entre gestos e dramas
as fui consumindo num mesmo e insano orgasmo.

2. (Reverso)

Trazei-me guirlandas e donaires
vestais de meus terreiros,
Iansãs,
Orixás,
Mães de Santo,
Iemanjás,

enquanto feliz me suplicio em cilícios
de um passado gozo sobre o meu corpo no chão.

Não,
eu não amei as antigas amadas
como deveria, como poderia, como pretendia.

Em vez de um bárbaro africano
era apenas um tropical e descaído Prometeu
atento apenas à mesquinha luz do orgasmo.

Fui perverso, desatento, fechado demais em meus espelhos.
A rigor,
conheci também a solidão, o desprazer solitário,
a indiferença, o riso, a neurose que fere,
as portas da madrugada, os bares fétidos, escusas
festas e conspurcados lençóis.

Quantas vezes sobre o corpo viergem
e aberto
fechei-me enigmático
arrojando de mim a chave
e o prazer que não doei, porque confuso
caçador entre as presas da floresta
não sabia em que árvore deflorar o meu desejo.

Elas se abriam
e eu me engolia em musgo e pedra.
Elas bramiam
e eu me fechava em crua fala.
Elas despencavam dos táxis e relógios
e eu, solícito e mesquinho
lhes acenava o paraíso
- e me exilava.
Como portais de uma cidade mítica
- abandonada
estou seguro
que essas mulheres não sabiam do enigma que portavam,
embora se deixassem escavar por mim, falso arqueólogo,
explorador de minas infantis no subsolo.
Também eu não sabia do mistério que em suas carnes tateava.

Olhava-lhes as pernas rijas
como as colunas que o cego
Sansão na fúria
- derribava.
E aquelas coxas ali me sitiando
muros quentes que eu ia penetrando
com a inconsequência de um bárbaro-romano.

Hoje eu traria flores em vez de adagas.
Mas de que vale essa sabedoria pousando em mim, octagenário
Salomão ditando provérbios para um harém desabitado?

3. (Converso)

Entre todas
Deus
tem posto uma mulher no meu caminho
- maravilhosa.
E foi preciso o teu amor, mulher,
maduro amor completo amor acima
de minha pequenez presente e minha sordidez passada,
esse amor
que me tocou quando dele mais eu carecia,
porque da ilusória abundância
já me fatigava
e no crepúsculo erguia a tenda e jejuava.

Foi preciso o teu amor, mulher, tu que partes
minha vida em duas e com a parte que povoas
dás sentido à deserta moradia.
Agora
que tenho em ti a face do meu corpo que em outros refletia,
poderia me voltar
e recobrir as falhas dos amores mal-versados
e reinvestidos no teu rosto,
que uma amor apenas não te cobre
sou pequeno demais, preciso do amor geral recuperado
para a dimensão que tens, que é ilimitada,
preciso da força de um amor avaro, desperdiçado,
e de um corpo que em mim, seja maior que eu
para cobrir a dimensão que tens
somando os meus passados.

Emtre meu corpo e o outro
havia a falha,
a ausência,
o abismo
a perdida unidade,
a cicatriz no espelho
e a solidão do não-achado.

Agora
concentro-me inteiro
na plenitude dupla desse corpo
e desfiro, sem passagens, meu espanto
e orgasmo no útero da eternidade.

(Affonso Romano de Sant'Anna)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Desejo

Quero resgastar a vida minha vida como ela era. Valerá o esforço!
Resnascemos das cinzas,
basta coragem.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Amor mais que imperfeito



Não do amor. De mim duvido.
Do jeito mais que imperfeito
que ainda tenho de amar.

Com frequência reconheço
a minha mão escondida
dentro da mão que recebe
a rosa de amor que dou.

Espiando o meu próprio olhar,
escondido atrás estou
dos olhos com que me vês.
Comigo mesmo reparto
o que pretende ser dádiva,
mas de mim não se desprende.

Por mais que me prolongue
no ser que me repete,
de repente me sinto
o dono da alegria
que estremece a pele
e faz nascer luas
no corpo que abraço.

Não do amor. De mim duvido
quando no centro mais claro
da ternura que te invento
engasto um gosto de preço.
Mesmo sabendo que o prêmio
do amor é apenas amar.

(Thiago de Mello)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Houve um poema

Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
e intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma tênue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

(Cecília Meireles)

domingo, 23 de janeiro de 2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Prá você

Foi para ti que criei as rosas
Foi para ti que lhes dei perfume.
...Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.

Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde dos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
um corpo aberto como os animais.

Para ti

(Eugenio de Andrade)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eu adoro voar !!!


Já escondi um amor com medo de perdê-lo, já perdi um amor por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto. Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam. Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade...
Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela minha mãe no meio da noite fugindo de um pesadelo, mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.
Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre!
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!!!!


(Clarice Lispector)

Perspectivas










domingo, 16 de janeiro de 2011

Adeus

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Quem é você?

Carvão
(canção de Ana Carolina)

Surgiu como um clarão
Um raio me cortando a escuridão
E veio me puxando pela mão
Por onde não imaginei seguir
Me fez sentir tão bem, como ninguém
E fui me enganando sem sentir
E fui abrindo portas sem sair
Sonhando às cegas, sem dormir.

Não sei quem é você

O amor em seu carvão
Foi me queimando em brasas no colchão
E me partiu em tantas pelo chão
Me colocou diante de um leão.
O amor me consumiu, depois sumiu
E eu até perguntei, mas ninguém viu
E fui fechando o rosto sem sentir
E mesmo atenta, sem me distrair
Não sei quem é você!

No espelho da ilusão
Se retocou pra outra traição.
Tentou abrir as flores do perdão
Mas bati minha raiva no portão
E não mais me procure sem razão
Me deixe aqui e solta a minha mão.
Eu fui flechando o tempo, sem chover
Fui fechando os meus olhos, pra esquecer.

Quem é você?

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Assim eu vejo a vida

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

(Cora Coralina)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Sensível triunfo


"Flor de cacto, flor que se arrancou
À secura do chão.
Era aí o deserto, a pedra dura,
A sede e a solidão.
Sobre a palma de espinhos, triunfante,
Flor ou coração?"

(José Saramago)

sábado, 8 de janeiro de 2011