domingo, 31 de outubro de 2010

Diálogos do Silêncio


Segredo I
O sopro
de um beija-flor
trouxe
até os meus ouvidos
um som mágico
de entardecer.
O sussurro
explodiu em gritos
perceptíveis
apenas
aos meus ouvidos.

Segredo II
O meu silêncio
dialogou com o teu.
Entre um suspiro
e outro
percebi que
[ainda]
te amo.


Shhhh!

[não conte a ninguém...]

Segredo III
O que pode a razão
com as exigências
do coração?
Nada...
enquanto aquela se cala,
o outro grita com paixão.



[No meio dessa
confusão

eu só sei
te amar...]

(Patrícia Lara)

sábado, 30 de outubro de 2010

Versos de amor verdadeiro

"Invocação à mulher única"

Tu, pássaro – mulher de leite!
Tu que carregas as lívidas glândulas
do amor acima do sexo infinito
Tu, que perpetuas o desespero humano
alma desolada da noite
sobre o frio das águas tu
Tédio escuro, mal da vida – fonte! jamais... jamais...
(que o poema receba as minhas lágrimas!...)
Dei-te um mistério: um ídolo, uma catedral,
uma prece são menos reais
que três partes sangrentas
do meu coração em martírio
E hoje meu corpo nu estilhaça os espelhos e
o mal está em mim e a minha carne é aguda
E eu trago crucificadas mil mulheres
cuja santidade dependeria apenas
de um gesto teu sobre o espaço em harmonia.
Pobre eu! sinto-me tão tu mesma,
meu belo cisne, minha bela, bela garça, fêmea
Feita de diamantes e cuja postura lembra
um templo adormecido numa velha madrugada de lua...
A minha ascendência de heróis: assassinos, ladrões,
estupradores, onanistas
negações do bem: o Antigo Testamento!
a minha descendência
De poetas: puros, selvagens, líricos,
inocentes: O Novo Testamento
afirmações do bem: dúvida
(Dúvida mais fácil que a fé,
mais transigente que a esperança,
mais oporturna que a caridade
Dúvida, madrasta do gênio)
tudo, tudo se esboroa ante a visão do teu ventre púbere,
alma do Pai, coração do Filho,
carne do Santo Espírito, amém!
Tu, criança! cujo olhar faz
crescer os brotos dos sulcos da terra
perpetuação do êxtase
Criatura, mais que nenhuma outra,
porque nasceste fecundada
pelos astros – mulher!
tu que deitas o teu sangue
Quando os lobos uivam e
as sereias desacordadas
se amontoam pelas praias – mulher!
Mulher que eu amo,
criança que amo,
ser ignorado, essência perdida num ar de inverno.
Não me deixes morrer!... eu, homem
fruto da terra – eu, homem – fruto da carne

Eu que carrego o peso da tara e me rejubilo,
eu que carrego os sinos do sêmen que se rejubilam à carne
Eu que sou um grito perdido
no primeiro vazio à procura de um Deus
que é o vazio ele mesmo!
Não me deixes partir...
as viagens remontam à vida!...
e por que eu partiria se és a vida,
se há em ti a viagem muito pura.
A viagem do amor que não volta,
a que me faz sonhar do mais fundo da minha poesia
Com uma grande extensão de corpo e alma
uma montanha imensa e desdobrada
por onde eu iria caminhando
Até o âmago e iria e beberia
da fonte mais doce e me enlanguesceria e
dormiria eternamente como uma múmia egípcia
No invólucro da Natureza que és tu mesma,
coberto da tua pele que é a minha própria – oh mulher, espécie adorável da poesia eterna!

(Vinicius de Moraes )

Boda espiritual


Tu não estás comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
- Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.

O teu ombro no meu, ávido, se insinua.
Pende a tua cabeça. Eu amacio-a...afago-a
Ah, como a minha mão treme...Como ela é tua...

Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa.
O teu corpo crispado alucina. De escorço
O vejo estremecer como uma sombra nágua.

Gemes quase a chorar. Súplicas com esforço.
E para amortecer teu ardente desejo
Estendo longamente a mão pelo teu dorso...

Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

(Manuel Bandeira)

De longe te hei de amar


De longe te hei de amar,
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo a constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

(Cecília Meireles)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"A mulher e a casa"

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa;
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

(João Cabral de Melo Neto)

For you...my gift. You got the sweetest eyes I've ever seen

"Your Song "

My gift is my song... and this one's for you
And you can tell everybody that this is your song
It maybe quite simple, but now that it's done
I hope you don't mind
That I put down in words...

How wonderful life is, now you're in the world

I sat on the roof and I kicked off the moss
Well some of these verses, well they've, they've got me quitecross
But the sun's been kind while
I wrote this song
It's for people like you that keep it turned on
So excuse me forgetting, but these things I do
You see I've forgotten if they're green or they're brown
Anyway, the thing is, what I really mean
You got the sweetest eyes I've ever seen

And you can tell everbody that this is your song
It may be quite simple but now that it's done
I hope you d'ont mind
that I put down the words...

How wonderful life is, now you're in the world



quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Complemento


"A uma mulher"


Não tendo podido te criar
Nem tendo sido criado por ti
Eu me vingo do destino enxertando-me no teu ser.
Jamais conseguirás te libertar de mim
Porque eu te sitiei com a chama do amor,
Porque rondei durante dias e noites o Coração de Deus
A fim de extrair dele o segredo da ternura.
Todos os que te olham pensam logo em mim,
Todos os que me olham pensam logo em ti.
Eu sou tua cicatriz que nunca se há de fechar.
Eu te perseguirei até depois da minha morte
E virei a ti no murmúrio dos ventos, no lamento das ondas,
Na angústia e na alegria dos poetas meus sucessores,
Nas almas grandes limitadas pelo físico.
Sentado nas nuvens eternas eu te esperarei
E me nutrirei através dos tempos da nostalgia de ti.


Murilo Mendes

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Adversidade

"Lua adversa"

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

(Cecília Meireles)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Não se pode adiar o viver



"Não se pode ser infeliz,
não se pode morrer em vida,
não se pode desistir de amar, de criar.

Não se pode: é pecado, é proibido.
Não é possível adiar a vida."

(Caio Fernando Abreu)

domingo, 24 de outubro de 2010

Até pensei

Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caia, toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade morava tão vizinha
Que, de tolo, até pensei que fosse minha
Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha
Eu andava pobre, tão pobre de carinho
Que, de tolo, até pensei que fosses minha
Toda a dor da vida me ensinou essa modinha
(Chico Buarque)

Fim de tarde em SP

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Impressionista


Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Adélia Prado

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Tudo que fala em mim de amor foi dito"


"Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.


Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.


Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano."

Vinicius de Moraes

domingo, 17 de outubro de 2010

Pirilampos



"...Ardendo de amor, as cigarras cantam;
mais belos porém são os pirilampos
cujo amor mudo lhes queima o corpo!"

(Fragamento de poema japonês)

Doce, verdadeiro e lindo!


Canção da estrela murmurante

Nós nos amaremos docemente,
Nesta luz, neste encanto, neste medo:
Nós nos amaremos livremente
No dia marcado pelos deuses.

Nós nos amaremos com verdade
Porque estas almas já se conheciam:
nós nos amaremos para sempre
Além da concreta realidade.

Nós nos amaremos lindamente,
nós nos amaremos como poucos.
no teu tempo.



Lya Luft

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

La canción desesperada


Emerge tu recuerdo de la noche en que estoy.
El río anuda al mar su lamento obstinado.
Abandonado como los muelles en el alba.
Es la hora de partir, oh abandonado !
Sobre mi corazón llueven frías corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cueva de náufragos !
En ti se acumularon las guerras y los vuelos.
De ti alzaron las alas los pájaros del canto.
Todo te lo tragaste, como la lejanía.
Como el mar, como el tiempo. Todo en ti fue naufragio !
Era la alegre hora del asalto y el beso.
La hora del estupor que ardía como un faro.
Ansiedad de piloto, furia de buzo ciego,
turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio !
En la infancia de niebla mi alma alada y herida.
Descubridor perdido, todo en ti fue naufragio !
Te ceñiste al dolor, te agarraste al deseo.
Te tumbó la tristeza, todo en ti fue naufragio !
Hice retroceder la muralla de sombra.
anduve más allá del deseo y del acto.
Oh carne, carne mía, mujer que amé y perdí,
a ti en esta hora húmeda, evoco y hago canto.
Como un vaso albergaste la infinita ternura,
y el infinito olvido te trizó como a un vaso.
Era la negra, negra soledad de las islas,
y allí, mujer de amor, me acogieron tus brazos.
Era la sed y el hambre, y tú fuiste la fruta.
Era el duelo y las ruinas, y tú fuiste el milagro.
Ah mujer, no sé cómo pudiste contenerme
en la tierra de tu alma, y en la cruz de tus brazos!
Mi deseo de ti fue el más terrible y corto,
el más revuelto y ebrio, el más tirante y ávido.
Cementerio de besos, aún hay fuego en tus tumbas,
aún los racimos arden picoteados de pájaros.
Oh la boca mordida, oh los besados miembros,
oh los hambrientos dientes, oh los cuerpos trenzados.
Oh la cópula loca de esperanza y esfuerzo
en que nos anudamos y nos desesperamos.
Y la ternura, leve como el agua y la harina.
Y la palabra apenas comenzada en los labios.
É se fue mi destino y en él viajó mi anhelo,
y en él cayó mi anhelo, todo en ti fue naufragio!
Oh sentina de escombros, en ti todo caía,
qué dolor no exprimiste, qué olas no te ahogaron.
De tumbo en tumbo aún llameaste y cantaste
de pie como un marino en la proa de un barco.
Aún floreciste en cantos, aún rompiste en corrientes.
Oh sentina de escombros, pozo abierto y amargo.
Pálido buzo ciego, desventurado hondero,
descubridor perdido, todo en ti fue naufragio!
Es la hora de partir, la dura y fría hora
que la noche sujeta a todo horario.
El cinturón ruidoso del mar ciñe la costa.
Surgen frías estrellas, emigran negros pájaros.
Abandonado como los muelles en el alba.
Sólo la sombra trémula se retuerce en mis manos.
Ah más allá de todo. Ah más allá de todo.
Es la hora de partir. Oh abandonado !


Pablo Neruda

domingo, 10 de outubro de 2010

Oceano


Assim
Que o dia amanheceu
Lá no mar alto da paixão,
Dava prá ver o tempo ruir
Cadê você?
Que solidão!
Esquecera de mim?

Enfim,
De tudo o que
Há na terra
Não há nada em lugar
Nenhum!
Que vá crescer
Sem você chegar
Longe de ti
Tudo parou
Ninguém sabe
O que eu sofri...

Amar é um deserto
E seus temores
Vida que vai na sela
Dessas dores
Não sabe voltar
Me dá teu calor...

Vem me fazer feliz
Porque eu te amo
Você deságua em mim
E eu oceano
E esqueço que amar
É quase uma dor...

Só sei viver
Se for por você!
(Djavan)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Basta pensar em sentir


Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.
Viver é não conseguir.

Fernando Pessoa

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

Mario Quintana

domingo, 3 de outubro de 2010

Portas entreabertas



"Não deixe portas entreabertas.
Escancare-as ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas passam
semiventos,
meias verdades
e muita insensatez."

(Flora Figueiredo)

sábado, 2 de outubro de 2010

Amor, verdadeiro amor...



Cântico

Não, tu não és um sonho, és a existência
Tens carne, tens fadiga e tens pudor
No calmo peito teu. Tu és a estrela
Sem nome, és a namorada, és a cantiga
Do amor, és luz, és lírio, namorada!
Tu és todo o esplendor, o último claustro
Da elegia sem fim, anjo! mendiga
Do triste verso meu. Ah, fosses nunca
Minha, fosses a idéia, o sentimento
Em mim, fosses a aurora, o céu da aurora
Ausente, amiga, eu não te perderia!
Amada! onde te deixas, onde vagas
Entre as vagas flores? e por que dormes
Entre os vagos rumores do mar? Tu
Primeira, última, trágica, esquecida
De mim! És linda, és alta! és sorridente
És como o verde do trigal maduro
Teus olhos têm a cor do firmamento
Céu castanho da tarde - são teus olhos!
Teu passo arrasta a doce poesia
Do amor! prende o poema em forma e cor
No espaço; para o astro do poente
És o levante, és o Sol! eu sou o gira
O gira, o girassol. És a soberba
Também, a jovem rosa purpurina
És rápida também, como a andorinha!
Doçura! lisa e murmurante... a água
Que corre no chão morno da montanha
És tu; tens muitas emoções; o pássaro
Do trópico inventou teu meigo nome
Duas vezes, de súbito encantado!
Dona do meu amor! sede constante
Do meu corpo de homem! melodia
Da minha poesia extraordinária!
Por que me arrastas? Por que me fascinas?
Por que me ensinas a morrer? teu sonho
Me leva o verso à sombra e à claridade.
Sou teu irmão, és minha irmã; padeço
De ti, sou teu cantor humilde e terno
Teu silêncio, teu trêmulo sossego
Triste, onde se arrastam nostalgias
Melancólicas, ah, tão melancólicas...
Amiga, entra de súbito, pergunta
Por mim, se eu continuo a amar-te; ri
Esse riso que é tosse de ternura
Carrega-me em teu seio, louca! sinto
A infância em teu amor! cresçamos juntos
Como se fora agora, e sempre; demos
Nomes graves às coisas impossíveis
Recriemos a mágica do sonho
Lânguida! ah, que o destino nada pode
Contra esse teu langor; és o penúltimo
Lirismo! encosta a tua face fresca
Sobre o meu peito nu, ouves? é cedo
Quanto mais tarde for, mais cedo! a calma
É o último suspiro da poesia
O mar é nosso, a rosa tem seu nome
E recende mais pura ao seu chamado.
Julieta! Carlota! Beatriz!
Oh, deixa-me brincar, que te amo tanto
Que se não brinco, choro, e desse pranto
Desse pranto sem dor, que é o único amigo
Das horas más em que não estás comigo.


Vinicius de Moraes